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A mata se adensa. Não é a primeira vez. As folhas cortantes dão lugar a um ajuntamento de copas baixas e retorcidas. Não ouve mais o barulho de motor. As pernas bambeiam. Há desníveis do solo coberto por folhas secas e frutas podres. Os insetos revoam. Relutam. Invadem o nariz, os olhos, os ouvidos. A estradinha de terra batida está longe. Não há sinal da trilha em meio aos troncos estrangulados por cipós. Em suas costas, o peso de Angélica é o mesmo de todos os pecados do mundo. Enquanto as vozes formigam e ficam para trás, Santos Passos ouve um resmungo de bolhas. Seus pés tropeçam. O som de línguas d’água lambendo as pedras se intensifica.
– Rio – sussurra Angélica com voz de vapor em seu ouvido. O hálito está frio.
Atiraram uma vez. As lanternas iluminaram o nada. Onze pontinhos fragmentados na distância. Nenhum ruído. Até feras temem o furor desprendido no cheiro daqueles que vem atrás. Alguém liga uma caixa de som. Não dá para saber qual música, mas é Elvis. Com certeza é Elvis. Simeão gosta de ouvir no máximo. Na última vez foi Love me tender. Pôs Elvis alto no rádio e afundou o crânio de um amigo com uma garrafa de whisky. Mas desta, provavelmente, é My way, Santos tem certeza.
Outro disparo, oco.
Tenta por um segundo ouvir a respiração enfraquecida. Não ouve nem sente nada, mas não interrompe a marcha. As costas estão empapadas de sangue. Escorrendo pelas nádegas e fazendo as coxas colarem na calça. Se ainda escorre é porque está viva, pensa.
O chamado das águas se intensifica. Pronunciam a primeira letra do seu nome. Ele sibila como uma cobra dormente. Santos atinge uma ladeira que antecede a margem do rio. Santos desce a ladeira coberta por raízes e sente a lama grudar nas canelas. Segue o contra fluxo das águas ignorando os galhos de plantas subaquáticas que perfuram as panturrilhas. Não olha para trás. Ignora a ausência de ruídos e o sangue frio de Angélica. Poderia descobrir que está morta. A margem se torna completamente íngreme. Não há outro caminho além da água. Não há como ignorar o seu chamado. Seguir pela água até a cintura. Enfrentar a correnteza até sabe lá São Cristóvão lhe permitiria. Não será a primeira vez.
Não perca, na próxima quarta, 20h, mais um episódio de Caixas de Sobra.
Obrigado keep up the good work abcs
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